sábado, 31 de outubro de 2009

Pois meus olhos não cansam de chorar- Luiz Vaz de Camões

Pois meus olhos não cansam de chorar tristezas,
que não cansam de cansar-me;pois não abranda o fogo,
em que abrasar-me pôde quem eu jamais pude abrandar;
não canse o cego
Amor de me guiar
a parte donde não saiba tornar-me;
nem deixe o mundo todo de escutar-me,
enquanto me a voz fraca não deixar.
E se em montes, rios, ou em vales,piedade mora,
ou dentro mora
Amor em feras, aves, plantas, pedras, águas,
ouçam a longa história de meus males
e curem sua dor com minha dor;
que grandes mágoas podem curar mágoas.

Este amor que vos tenho, limpo e puro- Luís Vaz de Camões

Este amor que vos tenho, limpo e puro
De pensamento vil nunca tocado,
Em minha tenra idade começado
Tê-lo dentro nesta alma só procuro.
De haver nele mudança estou seguro,
Sem temer nenhum caso ou duro Fado,
Nem o supremo bem ou baixo estado,
Nem o tempo presente nem futuro.
A bonina e a flor asinha passa;
Tudo por terra o Inverno e Estio deita;
Só pera meu amor é sempre Maio.
Mas ver-vos pera mim,
Senhora, escassa,
E que essa ingratidão tudo me enjeita,
Traz este meu amor sempre em desmaio.

Amor é fogo que arde sem se ver- Luís Vaz de Camões

Amor é fogo que arde sem se ver,é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?